Resumo, A Invenção das massas: a psicologia entre o contole e a resitência (BENEVIDES)


Introdução

A invenção das massas vem como uma análise crítica do processo de formação de grupos de pessoas que apresentam similaridades em seus ideais, sejam esses grupos militantes, pertencente a sindicatos que reivindicam seus direitos, homens com fortes ideologias unidos em prol de um fim ou simplesmente pessoas unidas pela religião ou dogma.

Benevides contextualiza inicialmente o que será o ambiente e a data de sua análise, se dá inicialmente no século XVIII, com um novo estado constituído pelo capitalismo liberal, onde o senso de indivíduo e de população tende a ser visto como igual em direitos e deveres, e com mesmas possibilidades de Ascenção e mobilidade social, cenários visto em:

"Direito a igualdade aliado à garantia que o estado deveria dar às expressões das diferentes características pessoais. O indivíduo, é assim, alvo e efeito privilegiado das intervenções e investimentos da sociedade burguesa."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Benevides ainda afirma que o sistema capitalista  faz manutenção de individualidades e subjetividades afim de sustentar o próprio funcionamento, como se fosse um processo de auto-gestão. Nesse modo denominado Modo-Indivíduo coexistem produção e reprodução do capital afirmando uma característica Hegemônica (Supremacia).

Benevides disserta que a sociedade poderia ser vista como a soma dos indivíduos que comporiam a ela e deveriam funcionar para viabilizar tais interesses, não só isso como também compara este funcionamento da sociedade com o método de mão de obra alienada afirmada e implementada pelo capitalismo, onde cada indivíduo teria um papel a cumprir e juntando todas as peças do quebra cabeça culminariam o produto final de produção.

"Esse modo de funcionamento da sociedade é, certamente, associável ao que está de presente no sistema fabril ligado ao capitalismo fundado na divisão do trabalho, onde peças isoladas eram unidas em um produto final de que o trabalhador não tinha domínio."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

A Medicina Social e o controle das Populações
Benevides aborda o tema da medicina social que surgiu em meio a necessidade de estudar esses grupos de pessoas que estariam por ser chamados de massas, seu surgimento deve ser associado a uma estratégia Biopolítica (Foucault entende Biopolítica como sendo estratégia colocada em ação para administração e controle das populações) centrada no indivíduo como corpo-coletivo-produtivo.

"Assim, no capitalismo em Ascenção, a importância dessa cidade populosa facilitou uma certa articulação entre medicina e estado, produzindo com efeito a construção de uma medicina cujo objetivo era conter as agitações sociais que tiveram seu início no começo do século XIX."  [Foucault, 1979]

Benevides analisa o surgimento e a formação das Turbas, que eram movimentos franceses e ingleses que reivindicavam condições de trabalhos mais dignas, quase como se fossem sindicatos que tinham o objetivo de melhores oportunidades, essas mesmas no contexto onde viviam, causaram alvoroço e chamaram atenção de estudiosos e do próprio corpo estatal.

"...Passaram a causar pânico, pois eram vistas como capazes de atos desenfreados e considerados irracionais. Sobre elas essa medicina investirá seu olhar..."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Note que desde o inícios os grupos já começavam a ser considerados como irracionais e mais a frente observaremos como houveram demonizações e desvalorizações desse corpo como um todo sendo taxados e reprimidos.

"O estado desempenhará o papel de orquestrador-produtor dessa operação Biopolítica, com o auxílio da tecnologia disciplinar operada pela medicina, que agregava médicos, cientistas e outros profissionais e funcionava como uma polícia, pois não só difundia as normas para os cuidados com a saúde e a higiene, como também controlava sua aplicação."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Daqui Benevides vai argumentar e caminhar em uma linha explicativa que demonstra os cenários da primeira revolução industrial ocorrida na Grã-Bretanha e os efeitos causados principalmente pela substituição de mão de obra humana por maquinaria, o que pode ter gerado expectativas bem adversas e diferentes provocando também o surgimento dessas massas e movimentos (muitos deles de resistência diante a problemática que enfrentavam).

"Acompanhando Foucault, esclarecemos que a resistência a qual estamos nos referindo é a que exerce nas relações de poder. Para se configurar uma relação de poder, há que se ter duas condições: o reconhecimento de que o outro (aquele sobre o qual se exerce o poder) é uma pessoa que age e, igualmente, o fato de que, diante dessa relação de poder, todo um campo de respostas, reações, resultados e possíveis invenções pode ser aberto. Desse modo, a resistência é ela mesma uma ação das relações de poder." [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Observe aqui, as definições de Foucault sobre as relações de poder que ocorrem entre indivíduos que com certeza se poderá observar mais tarde em seu livro Vigiar e Punir.

Uma nova maneira de gerir os homens

A partir de todas essas contextualizações, no século XVIII, começa-se a surgir métodos de como gerir os homens, aumentando sua utilidade e enquadramento, ora cabe aos intelectuais criar formas de fácil organizar grupos de indivíduos para aumentar sua produtividade e eficiência, tal como prega o capitalismo, nessa mesma deixa, os conceitos iniciais de público e privado começam a ser teorizados, o âmbito privado começa a ser valorizado tornando-se espelho das realizações pessoais e finalidade de felicidade.

"...Fazendo com que as populações dos grandes centros urbanos europeus tivesses que aprender que, no espaço público, os modos de funcionamento deveriam respeitar determinados padrões de civilidade definidos, enquanto no espaço privado, o que prevalecia era a expressão do que se considerava ser a transparência das relações pessoais e familiares. O público, a cidade, era um grande teatro, onde se encenavam papéis diferenciados, mas claramente definidos." [Sennett, 1988]

Não só Benevides como Sennett trabalham e analisam a questão da dualidade entre público e privado como sendo o "enaltecimento do silêncio", uma forma de conviver em espaços públicos com indivíduos completamente estranhos e não se sentir esmagado, como Sennett claramente afirma.

" A sociedade incide, assim, no vigiar permanente das expressões de cada um, desestimulando comportamentos em público que pudessem revelar o que se passava na interioridade das pessoas." [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

O interessante nesse fragmento é a utilização a questão do vigiar, assunto abordado por Foucault na literatura Vigiar e Punir, onde o indivíduo sempre esta a vigiar ao outro e qualquer tangenciamento a norma padrão seria punido, por exemplo, as formas de punir podem ser observadas como segregação, afastamento desse mesmo indivíduo e a marginalização, ora, o estado não mais controla a todos, o que acontece é uma força invisível desenvolvida por cada indivíduo que se estende a todos os outros, e assim sucessivamente, não existindo necessidade do "saber geral" do estado sobre tudo. Os próprios indivíduos convergem para a punição dos demais.

Gabriel Tarde: a opinião pública e a multidão

O surgimento dos movimentos dos trabalhadores e dos sindicatos primeiramente foi visto sob o rótulo de criminalidade, entretanto esses operários com o amadurecimento de suas ideias perceberam que o problema não se resolveria assumindo uma postura radicalista e por muitos vista como terrorista "Matar os patrões assim como destruir as máquinas.", era certamente impraticável, foi daí que começaram a surgir as primeiras organizações de associações com o objetivo de fazer pressão e conquistar direitos.

"Na tentativa de dar uma explicação para o movimento das massas, as teorias de hipnose, da sugestão do contágio foram, então, bastante empregadas."  [Pechman, 1991]

Tarde, um sociólogo e criminologista francês vem como teórico na tentativa de explicar o comportamento das massas, ele estabelece as diferenças entre as formas de agrupamentos sociais.

"Os transeuntes de uma rua ou os camponeses numa feira, por exemplo, estariam agrupados fisicamente, mas não socialmente."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Tarde analisa a potencialidade de indivíduos diferentes se socializarem e se agruparem em prol de algo tendo como mediador e guia um líder.

"Quando um chefe de uma corporação é considerado um bom chefe, seu nome e suas obras poderão sobreviver, mesmo após sua morte, como algo a ser referenciado e servir, quem sabe, como exemplo. Por outro lado, na multidão, só há obediência a lideres vivos. Ainda segundo tarde, na multidão observa-se um grau menor de inteligência e de moralidade, enquanto na corporação, ao contrário, prevalece um líder organizado, frequentemente considerado como superior aos demais."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Segundo tarde, as multidões eram agrupamentos mais naturais na medida em que nelas os indivíduos se reuniam arrastados por forças irresistíveis da natureza. Em contrapartida, por exemplo, ao que Le Bom pensava que o século XIX era o século das multidões, tarde afirmava que na verdade esse século mencionado era o século público.

Tarde ainda difere multidões ativas entre multidões de amor e multidões de ódio, onde na primeira ao contrário do que se pensava assumia caráter benéfico e utilitário a própria sociedade, o exemplo usado era o de festas coletivas.

"No entanto,..., ele nos deixa entrever sua preocupação com os efeitos que os movimentos coletivos provocam a época, uma vez que afirma ser um equívoco valoriza-los, pois, para esse autor, toda iniciativa ou pensamento que tenha valor e mereça consideração surge individualmente, isto é, quando estamos isolados da perigosa influência tanto do público quanto da multidão."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Tarde ainda analisou o efeito da opinião, nesse contexto ele acredita, que quando uma opinião se propaga, ela produz um efeito de similitude de pensamento, o que faz com que a opinião deixe de ser uma realidade individual e se torne um fato coletivo. Isso pode ser observado por exemplo com a propagação de ideias fascistas que um certo líder possui certa opinião e quando difundida em meio a multidão há uma recepção calorosa e com isso a multidão torna essa opinião a sua, tendo seu senso crítico sendo ludibriado e essa tal opinião sendo aceita facilmente.

Movimentos de massa e a organização dos trabalhadores

Aqui Benevides explora a criação da comuna de paris e da liga dos comunistas, com a Ascenção dos ideais marxistas e os constantes conflitos entre burgueses e proletariado. Na França o movimento se torna muito forte e afeta toda a constituição estratificada da sociedade, a luta de classes nunca pareceu tão óbvia justamente por corroborar e evidenciar os conceitos marxistas anticapitalistas. 

"Os operários combateram a burocracia, reduziram a jornada de trabalho nas fábricas, abandonadas pelos patrões, e decidiram quanto aos seus salários, fazendo eleição direta para a direção das fábricas."  [Athayde, 1988]

Portanto, as massas aos poucos são tomada como um conjunto de indivíduos que, quando reunidos, apresentam certas características peculiares. Tais características serão vistas, por alguns como distorções da natureza individual e, por outros, como força fundamental para a transformação em uma sociedade mais justa. De qualquer maneira o foco da ação ainda incidirá sobre o indivíduo.

O que são as massas?

Le Bon, após os eventos da comuna de paris escreve La Foule(1895), nessa obra ele define o conceito de multidão.

"...Define multidão como sendo o agrupamento de um grande número de pessoas interatuantes que exercem influência mútua, composta por elemento heterogêneos que se ligam e, por esta reunião, formam um outro corpo, tal como as células se organizam e geram um corpo vivo com características diferentes de cada uma delas."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Em Tarde, acredita-se que o comportamento no interior das multidões se dá através da comunicação entre emoções e opiniões, e é reforçado pela simpatia e pela imitação, em contrapartida, Le Bon argumenta que esse comportamento parte do puro automatismo do contágio emocional, por considerar o comportamento imitativo ainda fortemente individual.

Segundo Le Bon, o indivíduo imerso em uma multidão perde seu autocontrole, atua de modo impulsivo, irracional e até mesmo bestial, o que pode ser facilmente observado no comportamento das militâncias no contexto da atualidade, são radicais e subversivas, inflamadas por um ideal que não as compele.

"Forma-se uma 'mente coletiva' que se apossa de cada um, produzindo a incapacidade para raciocinar, a ausência do espírito crítico e de discernimento e uma unanimidade da qual cada um tem consciência e que traz consigo o dogmatismo, a intolerância, o sentimento de poder absoluto e a perda da noção da responsabilidade."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Le bon ainda introduz um conceito que julgado pela época que foi teorizado perde o caráter discriminatório, ele relaciona a natureza feminina com as massas, se abstendo das características machistas incutidas afirmo que o que Le bon relacionava é a irracionalidade e exacerbação do sentimentalismo feminino, que também era observado nas massas militantes, cobertas de um alvoroço e de um calor que "queimava os corações" impedindo o processo de racionalidade.

"...Segundo o qual as mulheres se distinguem dos homens por serem guiados por seus sentimentos, por uma sensibilidade exacerbada e pela irracionalidade, enquanto aqueles são dirigidos por sua inteligência, pela razão clara e capacidade de decisão."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Le bon também disserta sobre outro caráter explicativo que pode ser utilizado para o melhor entendimento da psicologia do comportamento das massas, esse caráter se dá pela influência dos condutores ou líderes por assim se dizer, Le Bon acredita que esses líderes em sua maioria são neuróticos, exaltados e a um passo da loucura. O poder deles se deve ao prestígio social de que gozam, quer seja devido a fortuna pessoal, autoridade ou características pessoais. Não obstante, uma característica específica desses líderes é o alto poder hipnótico sugestivo que faz com que massas o sigam e compactuem com seus ideias muita das vezes sem um pensamento crítico, logo, podemos afirmar que a partir da condução desses líderes formam-se ideais muita das vezes não pensados de maneira racional e apenas apregoados pelo sentimentalismo.

Freud, a multidão, o líder e a libido

Freud também foi capaz de não só se inteirar sobre a temática das massas como também habilmente teorizou sobre, causa disso é vista pelo começo da primeira guerra mundial, onde se consolidou e defronte a tudo que se estabelecia forjou um motivo para Freud rever sua teoria do aparelho psíquico, dotando-a de um cunho mais social de que sua proposta anterior.

Com Psicologia de grupo e análise do ego (1976) Freud desenvolve requintes de uma teoria das massas, sempre baseando-se nos argumentos de Le Bon, para Freud os homens sempre tentam alcançar a satisfação de suas pulsões, e é somente em circunstâncias muito especiais que eles abrem mão de conviver com seus semelhantes.

Freud ao analisar a questão das massas achou como problemática  o fato dos homens comportarem-se de forma totalmente diferente de sua forma usual, rotineira, o que possivelmente implicaria na invalidez de um ideal, pois se o ideal se distorce quando o indivíduo se encontra sozinho não deve ser considerado algo que se assemelha a fatos, a liquidez desse ideal interfere na veracidade dos mesmo.

Freud então aponta 3 questões:
  • Saber o que é uma massa;
  • Por quais meios uma massa consegue influenciar de forma decisiva a vida psicológica individual;
  • Em que consistem essas modificações que se impõem ao indivíduo.
No último ponto Freud definiu ser o trabalho e a incumbência da psicologia coletiva.

"Retomando a ideia de alma coletiva de Le Bon, Freud argumenta que, se os indivíduos na massa se encontram fundidos em uma unidade, deve haver alguma coisa que os une, e essa coisa seria precisamente aquilo que caracteriza as massas."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Freud porém discorda de Le Bon no que diz respeito a característica hipnótica do líder e sua influência na organização e movimentação das massas. Através daí Freud desenvolve o conceito de libido para a psicologia coletiva como consequência disso se distancia quase que completamente dos ideias de Le Bon.

Nesse momento de distanciamento Freud reformula sua teoria do aparelho psíquico, substituindo a primeira tópica (consciente, pré-consciente e inconsciente) pela segunda tópica que é utilizada até hoje que se baseia na estruturação do Id, Ego e Superego.

A partir da teorização , Freud acredita que o libido é a energia que move a relação do indivíduo com os outros e com o meio, não só alimenta essa relação como também tem uma papel muito importante nas relações transferenciais.

"Amor que, por seu turno, engloba tanto o amor do poeta e seu fim correspondente, que seria a relação sexual genital, como o do indivíduo por si mesmo, o amor paterno e filial, a amizade, o amor pela humanidade e, igualmente, por objetos concretos e ideias abstratas."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Observe que Freud define o mecanismo pelo qual ocorrem as relações libidinais como sendo o da identificação, ou como eu prefiro acreditar que sejam, se estabelecem nas relações transferenciais calcada nas disparidades de poder. Podemos observar uma relação transferencial em:

"Cada indivíduo projeta sobre os outros e sobre o líder a idealização do que cada ego individual estruturou para si próprio."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Logo, Freud afirma a constituição libidinal das massas:

"Tal Multidão primária é uma reunião de indivíduos que substituíram seu ideal de ego por um mesmo objeto, tendo como consequência o estabelecimento, entre eles, de uma identificação geral e recíproca do ego." [Freud, 1993]

Com isso Freud discorda de Le Bon na característica de contágio mental, não só como também de Tarde a respeito do poder hipnotizador do líder.

"Freud questiona igualmente a noção de força pessoal ou hipnotizadora do líder, quer isso signifique que ele faça uso da técnica da hipnose ou que exerça seu poder hipnótico através de seu prestígio ou de sua autoridade, porque considera que, em qualquer um dos casos, o que transparece é uma relação da multidão impotente com seu líder onipotente."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Reich, as massas, a repressão sexual e a revolução social

Wilheilm Reich também teoriza sobre o comportamento das massas, sua proposta parte do princípio de unificação entre psicanálise e marxismo, agregado também a questão de como a sociedade burguesa capitalista influência a questão da psique. Seu pensamento aproxima-se de Freud quanto a questão das neuroses como sendo fruto da repressão moral e dos recalques impostos as pulsões sexuais, porém seu método de resolução da problemática percorre um caminho diferente da de Freud:

"...Segundo ele, o círculo psicanalítico, dirigido por Freud atribuía pouca importância à libido - energia erótica -, o que, em sua concepção, teria evado a domesticação do sexo e à sua adaptação aos ideais capitalistas burgueses." [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

A solução defendida por Reich para a questão da repressão sexual permeava promover uma revolução social acabando assim com uma sociedade patogênica, Freud rejeitou a ideia por considerar que ela comprometia a imparcialidade e neutralidade do psicanalista.

"Para ele, ao contrário, é preciso liberar a energia libidinal e, por isso, ele concentra seus estudos sobre a família - autoritária e patriarcal -, considerada como o lugar primário da repressão, do conservadorismo e, também, correia de transmissão entre a estrutura econômica burguesa e sua superestrutura ideológica." [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Outra tese interessante de Reich diz sobre como as massas se portaram diante ao nazi-fascismo, pra ele, as massas desejaram o fascismo, de nenhuma forma foram iludidas ou ludibriados por um líder com habilidade oratória, almejavam todos por um líder e por um movimento que reproduzisse todo ódio e todo preconceito cultural que a Alemanha vivia naquele momento, uma moral policiadora e tradicionalista.

"... o desejaram e o apoiaram porque o nazi-fascismo se apresentou sob uma forma que reproduzia a moral repressora da família patriarcal, autoritária e nacional, presente na base da estrutura psicológica que organiza a classe média e o proletariado alemães. Em outras palavras, o nazi-fascismo explorou a angústia sexual, expressão de uma estrutura de grupo, efeito da repressão sexual, presente nas famílias, na igreja e no estado, mostrando que o fascismo oficial somente reproduziu os fascismos e autoritarismos cotidianos e correntes nas relações familiares e grupais da época (a igreja incluída)." [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Por fim, afirma-se que Reich em sua tentativa de fundir a psicanálise ao marxismo assimilava a luta sexual com a luta de classes, preconizada pelo marxismo, em sua resposta de desafiar a ideologia e os costumes burgueses da época.

Após muitas tentativas de ver as massas abordadas nesse texto, foi observado uma quantidade de teóricos abordando esse tema em um viés negativo, desde questões de irracionalidade até impotência e indução hipnótica, porém Canetti vem pra quebrar esse estereótipo em seu livro Massa e Poder (1983):

"...O homem se insere na massa para se escapar do medo diante do estranho. As massas, assim, só existem a partir da 'descarga', momento no qual todos se despojam de suas diferenças e sentem-se iguais."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]

Canetti destaca quatro características das massas:
  • Ela sempre quer crescer;
  • No seu interior reina a igualdade;
  • Ela ama a densidade;
  • Ela necessita de uma direção.
Em seu arranjo das massas há muitas vertentes e caminhos, claramente pode-se observar uma pluralidade de formas e composições que a massa pode assumir dependendo de como ela é formada, seu contexto, seu propósito e seus líderes.

Deleuze, Guattari, as massas e os sentidos molar e molecular

No texto de 1996 chamado Micropolítica e segmentaridade de Deleuze e Guattari temos uma nova teoria analítica de massas marcada pela indiossociabilidade entre os âmbitos da transformação social e da produção da subjetividade. Dois novos contextos de organização da sociedade são inseridos:  Molar e Molecular, esse nós dá a ideia que tudo é, ao mesmo tempo, macro e micropolítica.

Logo, em uma organização molar encontra-se estratificações finas, afetos inconscientes que operam em um nível molecular, como exemplo podemos observar a estratificação de classes ou diferenciação de sexos.

"...Os dois sexos remetem a múltiplas combinações moleculares, que colocam em jogo não só o homem na mulher e a mulher no homem, mas a relação de cada um no outro com animal, a planta, etc... mil pequenos sexos. E as classes sociais remetem as massas que não tem o mesmo movimento, a mesma distribuição, distinguir massa e classes tendem efetivamente para o seguinte limite: que a noção de massa é uma noção molecular, que procede por um tipo de segmentação irredutível a segmentaridade molar da classe. Sem dúvida, as classes estão talhadas nas massas, as cristalizam. E as massas não cessam de fluir, de escapar-se das classes..."  [Deleuze, Guattari, 1996]

Segundo Deleuze e Guattari, Marx e Engels destacaram a organização e a exploração das classes - segmento do tipo molar -, dizendo que estas remetem a massas que têm objetivos e movimentos diferentes.

Também observamos uma análise interessante proposta por esses dois autores em referência ao Livro de Marx, O capital (1867), onde o que é observado é a forma pela qual o capitalismo se sustenta:

"Em o capital, Marx afirma que o capitalismo só pode se sustentar produzindo continuamente a essência subjetiva da riqueza abstrata."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]


As massas e sua força desestabilizadora


Como já mencionado em meados desse resumo, as massas foram vistas de forma negativa e assim adquiriram um caráter irracional, incontrolável, desestabilizador e até mesmo irruptor. Os discursos produzidos na época encarregaram de coloca-las num lugar maldito e a ser expurgado da sociedade em benefício de cada ser individual da sociedade. É realmente interessante analisar a relação massa = perigo difundida no século XIX com a propagação dos estudos sobre elas que tinham um olhar demonizador e pouco imparcial.


"Se acompanharmos, então, as análises teórico-políticas, em que o movimento das massas aparece menos como irracionalidade e mais como deslocamento e provocações de fraturas na realidade constituída, podemos retomar a importância de seu papel histórico de resistência aos processos de exploração e de assujeitamento, estes típicos do capitalismo."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]


O estudo das massas no Brasil


No Brasil a questão das massas ganhou uma expressão diferente da que existia na Europa no final do século XIX, contextualizando, O início do século XX foi marcado pelo Brasil republicano que ensaiava seus primeiros passos rumo a industrialização e iniciava os primeiros grandes projetos de urbanização de suas principais cidades. No rio de janeiro, as massas eram compostas de desempregados ou subempregados, constituindo assim a base da sociedade.


"Em sua base, bem ampla, encontra-se o enorme contingente de empregados domésticos, dos vendedores de rua, dos sem profissão definida e dos que vivem de expedientes. Mas é tambem nesse grupo que estão os ladrões, as prostitutas, os malandros, os bicheiros e os capoeiras, gente que vivia de atividades consideradas ilegais - população em sua maios parte mestiça, os que 'sobram' no sistema, a maioria analfabeta, vista como rude, inconveniente e responsável pelo desemprego, na medida em que 'entupiam' a cidade e em nada contribuíam para a ordem social, pois eram perigosos e indesejáveis. E foi pra ela que se dirigiram os olhos das autoridades e os saberes dos médicos da época."  [Benevides de Barros, A invenção das massas...]



Os médicos tiveram um papel considerado hoje em dia subversivo, porém na época era uma alternativa viável, papel esse curar a população da doença de ser mestiça, indolente, perigosa e barbara, tais como se portavam. Não devemos aqui achar que essa população foi de certa maneira injustiçada, muito pelo contrário, toda a postura negativa foi assumida pelos mesmos. Daí muitas teorias raciais surgiram, essas sim denegriram a imagem do negro e do mestiço os colocando marginalizados de fronte a uma sociedade burguesa que crescia aos poucos no rio. Muito foi pensado pelos teóricos em como projetar ideais europeus num ambiente que estava sócio, político e economicamente diferentes do quesito Europa.



"Os homens da ciência junto com os doutores da lei, adaptaram ideias estrangeiras para dar conta do paradoxo resultante da assimilação dessas teorias: como aplicar teorias eu condenavam o cruzamento racial a um povo que já estava miscigenado desde 1500?" [Benevides de Barros, A invenção das massas...]



Propostas e purificação da raça foram criadas, por exemplo pelo impedimento da miscigenação com raças consideradas inferiores, não só essa como a de embranquecimento progressivo, pelo cruzamento de mestiços com brancos superiores. Aí, o cenário se formou e já começou a se fazer grande manutenção das hierarquias sociais, com o discurso ignorante de aliança entre a questão biológica das teorias raciais e os equipamentos de poder da época.



" Movimentos associativos de qualquer espécie eram reprimidos, que se tratassem de movimentos políticos, religiosos, recreativos ou circunstanciais." [Nader, 1994]



A polícia defensora e mantenedora de uma ordem social andava de mãos dadas com médicos higienistas e teóricos sociais, em prol do 'bom' funcionamento da sociedade. E assim se seguiu o curso, com consequências como o processo de favelização e culminando também na forte segregação racial e disparidade entre classes. Não é preciso dizer que não haviam mobilidades sociais pois o conceito de hereditariedade de classes foi difundido pouco a pouco terminado no que se é observado hoje em dia.



"A higiene revelava a dimensão médica de quase todos esses fenômenos físicos, humanos e sociais e construía para cada um deles uma tática específica de abordagem, domínio e transformação." 

[Benevides de Barros, A invenção das massas...]


~Dave Bastos
























Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Resumo, Cap 1, Educação e Sociologia (DURKHEIM)

Resumo, Cap 1 , Sobre o Behaviorismo (SKINNER)