O Fato Social para Durkheim


                                         

Emile Durkheim acredita que o termo 'Fato Social' sempre foi usado de maneira pouco precisa, ele acredita que a definição da palavra não atende ao real estudo que se faz do próprio fato social, pois nada pode ser observado na sociedade que não seja um fato social, ele discute a ideia de que até as coisas mais básicas podem ser um fato social, como comer e beber algo, o problema com isso é que nesse sentido o campo de estudo da sociologia poderia ser facilmente confundida com a psicologia ou a biologia.

"Ele é empregado corretamente para designar mais ou menos todos os fenômenos que se dão no interior da sociedade, por menos que apresentem com certa generalidade, algum interesse social."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

Durkheim diz que o conjunto de ações, modos e maneiras, costumes e gostos, hábitos e rotinas, sentimentos que surgem através consequências e todo o universo pertencente ao comportamento do humano em sua religião, trabalho, família, vida social e lazer podem ser caracterizados como fatos sociais, e assim, a sociologia difere-se portanto das outras grandes áreas como a psicologia.

"Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são exteriores ao indivíduo, como também são dotados de uma força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõe a ele, quer ele queira quer não."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

Durkheim também discursa e argumenta que o fato social pode ser caracterizado como uma conduta moral que assim que infligida, sendo ela ética ou não, é punida pelo desvio, ou seja, o conjunto de atitudes e ações estipuladas dentro de uma base moral pertencentes a uma sociedade não podem ser desviadas, tendo como consequência a represália social e de cunho das leis dessa mesma sociedade. Ora, um exemplo disso pode ser observado talvez quando um estrangeiro viaja a um país oriental de costumes diferentes e inconscientemente apresenta 'atitudes ocidentais', podendo sofrer retaliação pelo cunho moral do integrantes da sociedade onde ele foi introduzido.

"Em se tratando de máximas puramente morais, a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e das penas especiais de que dispõe."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

Durkheim cita vigilância e dessa forma podemos linkar ao livro de Foucault "Vigiar e Punir" onde discursa-se sobre o poder que o estado exerce sobre a população e a partir daí a própria sociedade passa a ser uma arma de controle estatal, 'vigiando e punindo' tudo aquilo que transgride o senso ético e moral pré-estabelecido.


"Se não me submeto as convenções do mundo, se ao vestir-me, não levo em conta os costumes observados em meu país e em minha classe, o risco que provoco, o afastamento em relação a mim, produzem embora de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita." 
[DURKHEIM, As regras do método sociológico]


Ele ainda continua argumentando sobre o poder que o conjunto de costumes previamente definidos numa base ética e moral exercem sobre os que tentam fugir a essa norma, ele complementa que mesmo que tente-se agir a um viés diferente, dever-se-á lutar por isso, tendo consciência do fracasso que poderá obter-se.

"...Industrial, nada me proíbe de trabalhar com procedimentos e métodos do século passado; mas se o fizer, é certo que me arruinarei. Ainda que de fato eu possa libertar-me dessas regras e violá-las com sucesso, isso jamais ocorre, sem que eu seja obrigado a lutar contra elas. E ainda que elas sejam finalmente vencidas, demonstram suficientemente sua força coercitiva pela resistência que opõem. Não há inovador mesmo afortunado, cujos empreendimentos não venham a deparar com oposições desse tipo" [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

Durkheim complementa a afirmação de que os fatos sociais dentro do campo da psicologia se diferencia assim do viés biológico e psicológico como havia sido dito acima:

"Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, os quais so têm existência na consciência individual e através dela."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

Afirmável é que se o fato social não se constitui de argumentos biológicos e psicológicos, ele atende ao quesito social, pois somente da sociedade se é tratado, e a sociedade como um todo. Portanto aqui é definido o campo de estudo da sociologia, nas relações fatídicas entre os indivíduos da sociedade.

"Essa qualificação lhes convém; pois é claro que não tendo o indivíduo por substrato, eles não podem ter outro senão a sociedade, seja sociedade política em seu conjunto, seja um dos grupos parciais que ela encerra: confissões religiosas, escolas políticas, literárias, corporações profissionais, etc..."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

Durkheim adverte que o termo coerção pode ser muito retalhado pelo simples fato de haver defensores do individualismo do ser humano, quase como se fosse um certo tipo de 'livre arbítrio' polido. É fato que as ações de indivíduos são influenciadas pela sociedade e pelo meio em que esses indivíduos habitam, porém, a simples possibilidade do fim do tão clamado livre arbítrio gera certa histeria e uma euforia negativa, ora, realmente é de certa dificuldade 'engolir' o fato de que suas ações não são conscientes e premeditadas a querer individual, mas sim são produto do ambiente em que se estabeleceu seu convívio e do conjunto de formação onde o indivíduo se aloca.

"Como estes professam que o indivíduo é perfeitamente autônomo, julgam que o diminuímos sempre que mostramos que ele não depende apenas de si mesmo. Sendo hoje incontestável, porém, que a maior parte de nossas ideias e de nossas tendências não é elaborada por nós, mas nos vem de fora, elas só podem penetrar em nós impondo-se; eis tudo o que significa nossa definição. Sabe-se aliás, que nem toda coerção social exclui necessariamente a personalidade individual."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

Portanto, afirma-se que os indivíduos são vítimas de uma ilusão que os faz crer que elaboram , eles mesmos, o que se impôs a eles de fora. Na sociedade atual isso se configura talvez de forma bem subliminar, ou então, pode-se analisar que esse tipo de comportamento de negação faz manutenção de um campo dos fatos sociais chamado de zona de conforto. Durkheim argumenta que a coerção social é bem observada quando analisa-se que indivíduos aparentemente inofensivos as vezes são capazes e culminam em cometer atos de atrocidade, ora, abaixo das construções sociais e morais de uma sociedade com suas regras comportamentais vive um consciente e um inconsciente individual, as vezes esse mesmo inconsciente foge a essas regras e revela seu verdadeiro 'eu' a par a essas trancas morais. Pode-se ver isso em:

"É assim que indivíduos perfeitamente inofensivos na maior parte do tempo podem ser levados a atos de atrocidade quando reunidos em multidão. Ora, o que dizemos dessas explosões passageiras aplica-se identicamente aos movimentos de opinião, mais duráveis, que se produzem a todo instante ao nosso redor, seja em círculos mais restritos ou não."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

Durkheim também menciona o estudo dos fatos sociais e como exemplifica-los na educação de uma criança por exemplo, o método como é dado a essa criança seus hábitos e seus costumes, como é ensinado a ela a comer e se vestir, como é mostrado como ela deve se portar em certos ambientes e como é forçado a ela um pensamento que em muita das vezes parte de uma origem hereditária e cíclica que não apresenta nenhuma inovação - muita das vezes até transpassado preconceitos, arquétipos e estereótipos que prejudicarão a convivência social da criança bem depois -. Sem esses métodos de 'educação' e esses conjuntos de dados passados massivamente e diariamente pra elas é fato que elas não teriam os comportamentos dos adultos que o fizeram, elas desenvolveriam características únicas comportamentais que poderiam ser classificadas como arquétipos individuais do humano, porém, o que se vê não é isso, mas sim uma castração ou até repressão do que pode vir a ser esse indivíduo. 

"...Toda educação consiste num esforço contínuo para impor a criança maneiras de ver, de sentir e de agir as quais ela não teria chegado espontaneamente. Desde os primeiros momentos de sua vida, força-se ela a comer, a beber, a dormir em horários regulares, força-se ela a limpeza , a calma, a obediência; mais tarde força-se ela para que aprenda a levar em contra outrem, a respeitar os costumes, as convivências, força-se elas ao trabalho e etc..."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

No geral, o fato social está sempre ligado ao poder de coerção e da força com que pode moldar e continuar moldando o meio através da ética e da moral pré-estabelecida, porém, deve-se entender que nem tudo que é acordado pelos poderes ditadores de leis (jurídico) é unanime a toda uma sociedade, mas é exatamente ai que também se observa o fato social, pois mesmo não sendo unanime, ele ainda é repassado, seguido e reproduzido, gerando punições aqueles que transgridam como mencionado acima.

"Um fato social se reconhece pelo poder de coerção externa que exerce, ou é capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se reconhece, por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a toda tentativa individual de fazer-lhe violência."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]

Concluindo, Durkheim disserta que essa mesma força moldadora da sociedade, e os costumes e hábitos da mesma não se diferem em ser a mesma coisa: a projeção desses fatos sociais, que se repetem constantemente, se reciclam e fazem manutenção de uma sociedade 'moldada' e 'unanime', que é reproduzida desde o nascimento de uma criança, passando pelas fases da escola e família, percorrendo o ambiente de trabalho e até seu lazer e suas crenças religiosas. Durkheim conclui que o fato social pode ser mais bem descrito como sendo:

"É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na sua extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais."  [DURKHEIM, As regras do método sociológico]


~Dave Bastos






Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Resumo, Cap 1, Educação e Sociologia (DURKHEIM)

Resumo, A Invenção das massas: a psicologia entre o contole e a resitência (BENEVIDES)

Resumo, Cap 1 , Sobre o Behaviorismo (SKINNER)