Resumo, Cap 2, Humano, demasiado Humano (NIETZSCHE)


Contribuição à História dos Sentimentos Morais

36.Objeção

"De fato, uma fé cega na bondade da natureza humana, uma arraigada aversão à análise das ações humanas, uma espécie de pudor frente à nudez da alma podem realmente ser mais desejáveis para a felicidade geral de um homem do que o atributo da penetração psicológica, vantajoso em casos particulares."

Nietzsche com esse argumento define esse aforismo inicial do capítulo, ele argumenta que aquilo que o mundo chama de virtude não é, via de regra, se não o fantasma formado por nossas paixões, ao qual se dá o nome honesto para impunentemente fazer o que quer se fazer, ele começa a realizar os primeiros esboços da matriz da natureza humana e cita também La Rochefoucauld que era mestre em estudo da alma.


37.Não obstante

"As consequências podem hoje ser vistas claramente, depois que muitos exemplos provaram que em geral os erros dos maiores filósofos têm seu ponto de partida numa falsa explicação de determinados sentimentos humanos."

Aqui Nietzsche observa a formação de uma ética filosófica falsa, onde ele cita com louvor a superficialidade dos filósofos em observar psicologicamente os seres humanos, e afirma que esse é um erro característico dos maiores filósofos.

"O homem moral- diz ele- não está mais próximo do mundo inteligível (metafísico) que o homem físico. Esta preposição, temperada e afiada sob os golpes de martelo do conhecimento histórico, talvez possa um dia, em algum futuro, servir como o machado que cortará pela raiz a 'necessidade metafísica' do homem."

Nesse trecho Nietzsche observa a moralização e a superiorização do homem moral, onde na sociedade acredita-se que eles estão mais próximos de um mundo inteligível, acredito que nas vertentes do cristianismo, assim como boas atitudes levam ao paraíso, isso é característica de uma necessidade do homem do mundo metafísico, seja como paraíso ou como vida pós morte.


38.Em que medida é útil

"Portanto: se a observação psicológica traz mais utilidade ou desvantagem aos homens permanece ainda sem resposta; mas certamente é necessária, pois a ciência não pode passar sem ela."

No saber de Nietzsche que não só filósofo mas um dos maiores psicólogos que a humanidade já teve o saber psicológico assume uma postura de questionamento frente aos homens porém é de suma importância pra ciência, pois a ciência apenas produz vantagens e bem-estar aos homens. Então ele termina seu raciocínio com um trecho com teor de questionação e de louvor aos espíritos livres:

"Não deveremos nós, os homens mais espirituais de uma época que visivelmente se inflama cada vez mais, recorrer a todos os meios de extinção e refrigeração existentes, de modo a continuar ao menos tão firmes, inofensivos e moderados como hoje ainda somos, e talvez um dia servir a esta época como espelho e autoconsciência?"


40.O Superanimal

"A besta que existe em nós quer ser enganada; a moral é mentira necessária, para não sermos dela dilacerados. Sem os erros que se acham nas suposições da moral, o homem teria permanecido animal. Mesmo assim ele se tornou algo mais elevado, impondo-se leis mais severas."

Nietzsche faz uma observação interessante nesse trecho quando ele assume e corrobora a instintividade e a 'animalidade' humanas como sendo intrínsecas do Humano em sim, a partir daí ele argumenta que com o surgimento da moral o homem deixou de procurar e atender seus instintos e se tornou um ser pensante. Afinal o conjunto de ações que temos e tomamos em nosso dia a dia não são parte de uma construção 'moral' começada a tempos?


43.Homens cruéis, homens atrasados

"Devemos pensar nos homens que hoje são cruéis como estágios remanescentes de culturas passadas... São homens atrasados, cujo cérebro, devido a tantos acasos possíveis na hereditariedade, não se desenvolveu de forma vária e delicada... mas eles próprios são tão responsáveis quanto um pedaço de granito é responsável pelo fato de ser granito."

Aqui Nietzsche acredita que a formação de homens 'miseráveis', 'cruéis' ou simplesmente o homem 'mau' é produto de um constante desenvolvimento de eras, de culturas que já se foram e que continuam. Hereditariamente como ele mesmo menciona esses humanos sucumbiriam ao seu instinto que previamente se estabelecera como mau.


45.A Dupla pré-História do bem e do mal

"Quem tem o poder de retribuir o bem com o bem, o mal com o mal, e realmente o faz, ou seja, quem é grato e vingativo, é chamado de bom; quem não tem poder e não pode retribuir é tido por mau."

Nietzsche nesse aforismo transmite um estudo rápido de como a moralidade em torno do bem e do mal se constitui como parte de uma sociedade que obviamente se encontra em decadência. É Notável o desdém frente a hipocrisia social refletida nos olhos de Nietzsche ao observar como a própria sociedade converge pra esse conjunto de construções.

"Não aquele que nos causa dano, mas aquele desprezível é tido por mau."

"Apesar disso, se um dos bons faz algo que seja indigno dos bons, recorre-se a expedientes; por exemplo, atribuiu-se a culpa a um deus: diz-se que ele golpeou o bom com a cegueira e a loucura."

Com o fragmento acima a ideia de hipocrisia se exacerba, ora, o 'bom' dentro dos costumes, culturas e sociedades dos 'bons' é protegido por uma redoma de santidade (santidade essa cristã e até mesmo moral) na qual qualquer indulgência e marginalização é justificável apenas por quesitos divinos, ora o bom não pode se corromper e ser mau, o 'bom marginalizado' apenas pode ser produto de um infortúnio divino. Com isso deixo o questionamento: Não é assim que as sociedades se constroem, protegendo seus 'bons' e retaliando seus 'maus'?

Por fim ele termina:

"Com tal mentalidade no indivíduo, dificilmente pode surgir uma comunidade, no máximo a sua forma mais rude: de modo que em toda a parte onde predomina essa concepção de bem e mal o declínio dos indivíduos, de suas tribos e raças está próximo. - Nossa moralidade atual cresceu no solo de tribos e castas dominantes."


46.Compadecer, mais forte que padecer

"Quando um de nossos amigos é culpado de algo vergonhoso, por exemplo, sentimos uma dor maior do que quando nós mesmo o somos. Pois acreditamos mais do que ele na pureza de seu caráter: então o amor que temos a ele, provavelmente devido a essa crença, é mais forte do que seu amor a si mesmo."

Nietzsche começa a desenvolver uma ideia de um altruísmo deveras comprado e se me permite dizer com um teor narcísico. Esse aforismo por si se explica, não necessitando falar mais.


49.Benevolência

"-Entre as coisas pequenas, mas bastante frequentes, e por isso muito eficazes, às quais a ciência deve atentar mais do que às coisas grandes e raras, deve-se incluir também a benevolência"

Neste, Nietzsche irreverente faz uma ótima observação de como valoramos coisas mais raras e heroicas ao invés de apenas atermo-nos as coisas pequenas mas que quando somadas causam um impacto extremo na sociedade. Esse é só mais um dos problemas da decadência social que Nietzsche tanto escreveu e tanto dissertou.

"A boa índole, a amabilidade, a cortesia do coração são permanentes emanações do impulso altruísta, e contribuíram mais poderosamente para a cultura do que as expressões mais famosas do mesmo impulso, chamadas de compaixão, misericórdia e sacrifício."

(Note que essas últimas características são pertinentes valores do cristianismo sem os quais não haverá ascensão do mesmo)

"Mas costumamos menosprezá-las, e realmente: nelas não há muito de altruísta. A soma dessas doses mínimas é no entanto formidável, na sua força total é das mais potentes."


51.Como o parecer vira ser

Neste aforismo Nietzsche mostra como o representar, o atuar, o dissimular e as vezes até mentir são de suma importância para o vir a ser, esse ser pode ser substituído por transformar-se. Ele dá o exemplo de como o artista de tanto interpretar acaba se tornando o que copia. Ele afirma que a profissão de quase todas as pessoas começa com a Hipocrisia, com a imitação do exterior, com a cópia daquilo que produz efeito.

"Se alguém quer parecer algo, por muito tempo e obstinadamente, afinal lhe será difícil ser outra coisa."


53.Pretensos graus da verdade

"Um dos mais frequentes erros de raciocínio é este: se alguém é verdadeiro é sincero conosco, então ele diz a verdade. Assim a criança acredita no julgamento de seus pais, o Cristão nas afirmações dos fundadores da igreja. De igual maneira não quer admitir que tudo o que os homens defenderam com o sacrifício da felicidade da vida, em séculos passados, eram apenas erros: talvez se diga que eram estágios da Verdade."

Aqui Nietzsche demonstra um erro comum que se comete nas sociedades. Eu diria que parte de um princípio de pura inocência 'cristã'.


62.Regalando-se na vingança

"-Homens grosseiros que se sentem ofendidos costumam ver o grau da ofensa como o mais alto possível, e relatam a sua causa em termos bastante exagerados, apenas pra poder se regalar no sentimento de ódio e vingança despertado."

Esse aforismo curto se apresenta de forma interessante e achei que seria ótimo ao leitor apreciar esse conceito de Nietzsche a respeito do homem grosseiro.


71.A esperança

"-Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhes deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens."

Nietzsche vê a esperança como a forma máxima e catártica de tortura e castigo dos deuses, aqui ele dá o exemplo da Grécia antiga, porém esse mesmo conceito se aplica ao cristianismo com a ideia da salvação após a morte e na volta do messias, ambas expressões de esperança com o objetivo de impor aos seres humanos os objetivos extra-terrenos, inteligíveis e metafísicos; o paraíso, céu, as ruas de ouro.


78.A ambição como substituta do sentimento moral.

"-O sentimento moral não pode faltar nas naturezas que não tem ambição. Os ambiciosos se arrumam sem ele, quase com o mesmo sucesso. Por isso os filhos de famílias modestas, alheias a ambição, costumam transformar-se rapidamente em consumados cafajestes, quando perdem o sentimento moral."

Aqui claramente uma proposição elitista por parte de Nietzsche, que obviamente em sua época era segregacionista e acreditava da divisão de classes em castas.


84.A Sutileza da vergonha

"Os homens não se envergonham de pensar em coisas sujas, mas ao imaginar que lhes são atribuídos esses pensamentos sujos."

Em outro aforismo curto Nietzsche de forma crítica lê com maestria algo na sociedade que está lá mas não é dito, portanto tratado como tabu. Esse preceito é um dos muitos motivos no qual Nietzsche é considerado um dos maiores psicólogos que já existiram, demonstrando facilidade em ler comportamentos humanos que muitos ignoram.


88.Impedimento do suicídio

"Há um direito segundo o qual podemos tirar a vida de um homem, mas nenhum direito que nos permita lhe tirar a morte: isso é pura crueldade."

Esse aforismo é interessante de se analisar, onde claramente Nietzsche é um defensor do suicido, obras mais pra frente ele trabalha melhor o tema e suas ideias ficam mais claras.


99.O que há de inocente nas chamadas más ações

"Todas as más ações são motivadas pelo impulso de conservação ou, mais exatamente, pelo propósito individual de buscar o prazer e evitar o desprazer; são assim motivadas, mas não são más."

Aqui Nietzsche discute as ações feitas na crença do bel-prazer, ele afirma que essa crença é por vários motivos inválida, ele menciona que ela causa ódio, desejo de vingança e perfídia, ainda complementa que é consequência de um juízo errado, logo é inocente, por se tratar apenas do instinto.

"o indivíduo pode, na condição que precede o estado, trata outros seres de maneira dura e cruel, visando intimidá-los: para garantir sua existência, através de provas intimidantes de seu poder."

Aqui ele descreve o homem violento, o poderoso, o fundador original do estado, que subjuga os mais fracos.


101.Não julgueis

"Devemos ter o cuidado de não incorrer na censura injusta, ao refletir sobre épocas passadas. A injustiça da escravidão, a crueldade na sujeição de pessoas e povos não deve ser medida pelos nossos critérios. Pois naquele tempo o instinto de justiça ainda não estava ainda desenvolvido."

Nietzsche aborda assuntos sensíveis nessa aforismo, ele por um olhar transcendental, que visa se posicionar acima do bem e do mal menciona a escravidão e formas de 'fascismos' como sendo 'justificáveis'. Agora peço ao leitor que entenda o contexto e não julgue o texto de forma leviana, apenas observe como o argumento é elaborado e tire suas próprias conclusões. Nietzsche acreditava que em sociedades e culturas antigas o juízo de justiça, o senso moral não tinha de certa forma aflorado ainda, ele justifica com outro argumento comparando a forma com que os seres humanos se posicionaram acima de todos os outros animais e cometem atrocidades, utilizando-os pra alimentação, para vestuário e até pra testes. Observa-se uma forma de satirização sarcástica de Nietzsche frente a hipocrisia com o pudor da modernidade por esses atos de tortura e escravidão, enquanto no mesmo ambiente os próprios humanos o realizam com uma raça 'inferior' (Devido aos interesses doutrinários da igreja, os animais foram colocados bem abaixo dos homens). Ela ainda disserta dizendo que muita das coisas horríveis que aconteceram na história são amenizadas pela consideração de que o sujeito que ordena e o que executa são pessoa diferentes.


"O egoísmo não é mau, porque a ideia de 'próximo' (a palavra é de origem cristã e não corresponde à verdade) é muito fraca em nós; e nos sentimos, em relação a ele, quase tão livres e irresponsáveis quanto em relação a pedras e plantas."

Nietzsche como em outros trechos defende o egoísmo como sendo instintivo e por isso não deve sofrer das retaliações impostas pela sociedade hipócrita e decadente.


102."O Homem sempre age bem"

"Não acusamos a natureza de imoral quando ela nos envia uma tempestade e nos molha; porque chamamos de imoral o homem nocivo? Porque neste caso supomos ma vontade livre, operando arbitrariamente, e naquele uma necessidade. Mas tal diferenciação é um erro."

Nietzsche observa mais um caso de hipocrisia social quando se observa o caso do criminoso ou do marginalizado, mais uma vez ele corrobora e justifica como natureza instintiva e inocente. Nietzsche chega dar o exemplo de que esse julgamento moral é seletivo mencionando o fato do ser humano matar um mosquito intencionalmente e sem hesitação, porque o seu zumbido desagrada.

"Toda moral admite ações intencionalmente prejudiciais em caso de legítima defesa: isto é, quando se trata da autoconservação!"

Aqui mais uma vez fica claro a observação de Nietzsche sobre o comportamento de matriz hipócrita, Não seria o papel dos espíritos livres romper com todas as construções sociais e sua moral decadente e transcender o comportamento hipócrita? No final conclui-se o diagrama que Sócrates e Platão há muito fizeram: O que quer que o homem faça, ele sempre faz o bem, isto é, o que lhe parece bom (útil) segundo o grau de seu intelecto, segundo a eventual medida de sua racionalidade.

Término do resumo do capítulo.

~Dave Bastos









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