Resumo, Cap 1, Humano, demasiado Humano (NIETZSCHE)


Das coisas primeiras e últimas

1.Química dos Conceitos e Sentimentos

"A humanidade gosta de afastar da mente as questões acerca da origem e dos primórdios: não é preciso estar quase desumanizado, para sentir dentro de si a tendência contrária?"

Aqui Nietzsche idealiza a questão do ilógico e do lógico, contempla desinteressadamente o desejo cobiçoso e disserta brevemente e introdutoriamente sobre os conceitos da base metafísica. Ele leva o leitor a questionar sobre a influência do básico e a banalização do mesmo, a falta de visão dos humanos sobre o comum, o ordinário.

"E se essa química levasse a conclusão de que também nesse domínios as cores mais magníficas são obtidas de matérias vis e mesmo desprezadas?"


2.Defeito hereditário dos Filósofos

"Mas tudo que o filósofo declara sobre o homem, no fundo, não passa de testemunho sobre o homem de um espaço de tempo bem limitado. Falta de sentido histórico é o defeito hereditário de todos os filósofos."

Aqui Nietzsche conjectura sobre o defeito dos filósofos: que se dá apenas por observar um homem como uma 'Aeterna veritas' (Verdade Eterna) sem levar em consideração do breve período que a humanidade habita a terra. Não seria muito cedo para entender de forma clara os padrões comportamentais do homem? Não seria uma suposição íngreme entender esses axiomas agora?

"Mas tudo veio a ser; não existem fatos eternos: assim como não existem verdades absolutas."


3.Estima das verdades despretensiosas

"...e em que medida para todos nós, o olhar inteligente pode hoje valer mais que a estrutura mais bela e sublime."

"A ocupação séria com o simbólico tornou-se distintivo da cultura inferior; assim como nossas artes mesmas se tornam cada vez mais intelectuais e nossos sentidos espirituais..."

Aqui Nietzsche abre juízo para uma conjectura interessante, de como tratamos as verdades e de como a racionalidade e a intelectualidade foram reinando de fronte ao instinto e a forma instintiva das coisas. De como a erudição foi tomando conta e massacrando o culto a beleza do comum.


4.Astrologia e coisas afins

"Esta acredita que o céu estrelado gira em torno do destino do homem; o homem moral pressupõe que aquilo que está essencialmente em seu coração deve ser também a essência e o coração das coisas."

Aqui Nietzsche critica de forma sarcástica a forma com que o moralista vê o mundo, sendo de forma deveras imatura e hipócrita.


7.O desmancha-prazeres da ciência

"-A filosofia se divorciou da ciência ao indagar com qual conhecimento da vida e do mundo o homem vive mais feliz. Isso aconteceu nas escolas socráticas: tomando o ponto de vista da felicidade, pôs-se uma ligadura nas veias da investigação científica - o que se faz até hoje."

Nesse aforismo Nietzsche disserta o momento em qual a ciência e a filosofia começaram a se divergir, momento esse em que as duas partiam do mesmo princípio, porém a ciência tomou o caminho da racionalidade sem fronteiras e irreverente enquanto a filosofia tomou o caminho do entender o homem e formas de felicidade para o humano.


9.Mundo Metafísico

"-É verdade que poderia existir um mundo metafísico; dificilmente podemos contestar a sua possibilidade absoluta. Olhamos todas as coisas com a cabeça humana, e é impossível cortar essa cabeça; mas permanece a questão de saber o que ainda existiria do mundo se ela fosse mesmo cortada."

"Pois do mundo metafísico nada se poderia afirmar além do seu ser-outro, um para nós inacessível, incompreensível ser-outro..."

Aqui Nietzsche observa a possibilidade de existência de um mundo metafísico e nos faz acender a ideia de que o mundo metafísico é dependente apenas do humano e que retirando sua existência o mundo metafísico deixa de ser somente uma alegoria e tende a ser inalcançável.

"-Ainda que a existência de tal mundo estivesse bem provada, o conhecimento dele seria o mais insignificante dos conhecimentos."

Nietzsche insiste na ideia de que mesmo se existindo o mundo metafísico nada poderia ser retirado de proveitoso, um conhecimento desnecessário.


11.A linguagem como suposta ciência

"A importância da linguagem para o desenvolvimento da cultura está em que nela o homem estabeleceu um mundo próprio ao lado do outro, um lugar que ele considerou firme o bastante para, a partir dele, tirar dos eixos o mundo restante e se tornar seu senhor."

Nesse fragmento Nietzsche infere o poder da linguagem e como o homem tomou esse mesmo poder como forma de manipulação.

"O Criador da linguagem não foi modesto a ponto de crer que dava às coisas apenas denominações, ele imaginou, isto sim, exprimir com palavras o supremo saber sobre as coisas; de fato a linguagem é a primeira etapa no esforço da ciência."

Nietzsche explica como a linguagem foi de suma importância para a fase principal de qualquer desenvolvimento científico, pois ela vem como a ferramenta pelo qual o saber pode ser moldado e descrito. Nietzsche finaliza fazendo a comparação com a matemática e seu surgimento que tem suas origens na necessidade de descrição e quantificação:

"O Mesmo se dá com a matemática, que por certo não teria surgido, se desde o princípio se soubesse que na natureza não existe linha exatamente reta, nem círculo verdadeiros, nem medida absoluta de grandeza."


13.Lógica do Sonho

"-No sono, nosso sistema nervoso está constantemente em excitação por múltiplos fatores internos, quase todos os órgãos liberam substâncias e estão ativos, o sangue circula impetuosamente, a posição de quem dorme pressiona determinados membros, as cobertas influem sobre as sensações de maneiras diversas, o estômago faz digestão e perturba outros órgãos com seus movimentos, os intestinos se torcem, o posicionamento da cabeça traz posturas musculares insólitas, os pés descalços, não comprimindo o chão com a sola, causam sensação de insólito, assim como o vestuário diferente de todo o corpo - tudo isso, com sua extraordinariedade e conforme a alteração e o grau cotidianos, excita o sistema inteiro, até  a função cerebral: de modo que há muitos ensejos para o espírito se admirar e buscar razões para tal excitação: mas o sonho é a busca e representação das causas dessas sensações provocadas, isto é, das supostas causas."

Nietzsche disserta de forma descritiva de como as sensações no pré-sono (sensações externas) influenciam a forma com que os sonhos se darão, mais a frente ele ainda faz uma alusão interessante como elas podem influenciar de maneira real o estado do sonho. Ele usa a alegoria de que lençóis entrelaçados aos pés pode gerar uma projeção de sonho em que serpentes se enroscam aos pés. Esse aforismo da lógica dos sonhos não me parece muito interessante do ponto de vista psicanalítico Freudiano, onde sonhos são acima de tudo a expressão de desejos inconscientes. Ele finaliza:

"(Pois durante o sonho acreditamos nele como se fosse realidade, isto é, consideramos nossa hipótese totalmente demonstrada).-O que quero dizer é: tal como o homem tira conclusões no sonho, assim também fez a humanidade no estado da vigília, durante milênios."

Se atente ao fato que o estado de vigília pra Nietzsche é o estado de não sono, é o acordado do ser humano.


17.Explicações Metafísicas

"-O homem jovem aprecia explicações metafísicas, porque elas lhe revelam, em coisas que ele achava desagradáveis ou desprezíveis, algo bastante significativo."

Aqui Nietzsche critica a metafísica de forma sarcástica como sendo de interesse apenas ao jovem erudito e não vivido, onde ele acha respostas nas suposições da metafísica.


19.O número

"A hipótese da pluralidade pressupõe sempre que existe algo que ocorre várias vezes: mais precisamente aí já vigora o erro, aí já simulamos seres, unidades, que não existem."

Nietzsche disserta sobre a invenção da teoria numérica e em como ela pode estar atrelada a metafísica. Ele infere a hipótese da pluralidade e diz que de certa forma ela é inconstante pois levamos em consideração nossas projeções e simulações de indivíduos.


20.Recuando alguns degraus

"-Um grau certamente elevado de educação é atingido, quando o homem vai além de conceitos e temores supersticiosos e religiosos, deixando de acreditar em amáveis anjinhos e no pecado original, por exemplo, ou não mais se referindo à salvação das almas: neste grau de libertação ele deve ainda, com um supremo esforço de reflexão, superar a metafísica."

Nesse contexto Nietzsche descreve a transcendência intelectual no exato momento em que deixa de crer em superstições e bobagens, religiões e irracionalidades e explica que isso se dá principalmente quando reflete-se e chega-se a superação dos conceitos metafísicos, ou seja, quando a metafísica é desconsiderada. Ele complementa para finalizar:

"Pois devemos olhar a partir do último degrau da escada, mas não querer ficar sobre ele. Os mais esclarecidos chegam somente ao ponto de se libertar da metafísica e lançar-lhe um olhar de superioridade; ao passo de que aqui também, como no hipódromo, é necessário virar no final da pista."

Para concluir deixo o questionamento: Seriam essas as conjecturas iniciais do borbulhar da criação e do surgimento do Ubermensch? Seriam os espíritos livres (criados por Nietzsche para ajudar-lhe em seu exílio e tristeza) a caricatura do que viria a ser o Ubermensch?


23.A era da comparação

"Assim como todos os estilos de arte são imitados um ao lado do outro, assim também todos os graus e gêneros de moralidade, de costumes e de culturas."

Nesse aforismo Nietzsche discute sobre a sociedade ou a 'era' da comparação, onde menciona como os humanos moralistas desenvolvem seu método de propagar a cultura. Ele diz que uma era adquire seu significado quando nela podem ser comparadas e vivenciadas vários tipos de culturas, ele ainda disserta que sociedades do passado não tinham essa vivência, pois elas eram isoladas e com seus domínios bem definidos culminando na impossibilidade da significatividade. 


25.Moral privada e moral mundial

"-Em todo caso, para que a humanidade não se destrua com um tal governo global consciente. deve-e antes obter, como critério científico para objetivos ecumênicos, um conhecimento das condições da cultura que até agora não foi atingido. Esta é a imensa tarefa dos grandes espíritos do próximo século."

Aqui Nietzsche descreve como deverá ser a 'salvação' do mundo em decadência e moralista pelos espíritos livres que viriam após ele, pois ele mesmo se considera um iniciador e um propagador dessa 'doutrina' dos espíritos livres que eram muito poucos na época de Nietzsche mas já estavam começando a surgir.


27.Substituto da religião

"Pensemos, por exemplo, na miséria cristã da alma, no lamento sobre a corrupção interior, na preocupação com a salvação - conceitos oriundos apenas de erros da razão, merecedores não de satisfação, mas de destruição."

Mais uma vez aqui Nietzsche se mostra desprezador do cristianismo e idealiza formas de se substituir o conceito falho de religião, ele propõe a arte como proposta de intervenção para curar o mundo das religiões e de suas obsessões e formas de controle. Ele também adverte que jamais poderia existir a transição da religião para o pensamento científico em toda a humanidade, categorizando o ato como sendo violento e perigoso, algo a ser desaconselhado. 


28.Palavras de má reputação

"-Fora com as palavras 'otimismo' e 'pessimismo', utilizadas até à saciedade! Pois cada vez mais faltam motivos para empregá-las: apenas os tagarelas ainda têm inevitável necessidade delas. Pois porque se desejaria alguém no mundo ser otimista, se não tiver que defender um deus que deve ter criado o melhor dos mundos, caso ele mesmo seja o bem e a perfeição - mas que ser pensante ainda necessita da hipótese de um deus."

Aforismo ríspido e deveras interessante, Nietzsche critica os moralistas idiotas que utilizam as palavras banais otimismo e pessimismo como fonte de descrição, ele critica fielmente a falta de transcendência ao comum ' bem e mal' e banaliza mas uma vez a crença no divino como sendo uma justificativa hipócrita aos meios. Ele ainda completa desdenhando da justificativa comum onde o mundo é dividido entre bem e mal e o humano é analisado como sendo parte dele:

"-Deixando de lado a teologia e o combate que se faz a ela, fica evidente que o mundo não é nem bom nem mau, e tampouco o melhor ou o pior, e os conceitos 'bom' e 'mau' só tem sentido em relação aos homens, e mesmo aí talvez não se justifiquem, do modo como são habitualmente empregados: em todo caso, devemos nos livras tanto da concepção do mundo que o invectiva como daquela que o glorifica."


29.Embriagado pelo aroma das flores

"O erro tornou o homem profundo, delicado e inventivo a ponto de fazer brotar as religiões e as artes. O puro conhecimento teria sido incapaz disso."

Aqui Nietzsche observa como surgiram a religião e as artes, frutos de devaneios coletivos e de fugas a racionalidade e ao conhecimentos absolutos, tornando o homem delicado e sensível, permitindo a criação de mitos e artes.


31.A necessidade do ilógico

"-Entre as coisas que podem  levar um pensador ao desespero está o conhecimento de que o ilógico é necessário aos homens e que do ilógico nasce muita coisa boa. Ele se acha tão firmemente alojado nas paixões, na linguagem, na arte, na religião, em tudo que empresta valor à vida, que não podemos extraí-lo sem danificar irremediavelmente essas belas coisas Apenas os homens muito ingênuos podem acreditar que a natureza humana pode ser transformada numa natureza puramente lógica; mas, se houvesse graus de aproximação a essa meta, o que não se haveria de perder nesse caminho! Mesmo o homem mais racional precisa, de tempo em tempo, novamente da natureza, isto é, de sua ilógica relação fundamental com todas as coisas."

Nesse aforismo claro e muito bem escrito, Nietzsche banaliza e critica o homem ingênuo que acredita que a natureza humana pode de alguma forma devaneiosa se tornar lógica, podemos observar o borbulhar em Nietzsche da filosofia anti-socrática e anti-glorificadora da razão. Sócrates por sua vez acreditava no louvor a razão e em sua necessidade, abdicando assim de coisas como instintos, porém Nietzsche vem de quebra a esse pensamento quando ele diz que não se pode pedir que o humano seja lógico sem quebrar a matriz de sua própria individualidade e de seu instinto (fé, religião, artes), Afinal nada dessas construções se quer existiriam num mundo onde o humano abdicasse da sua matriz ilógica.


32.Necessidade de ser injusto

"Por exemplo, nenhuma experiência relativa a alguém, ainda que ele esteja muito próximo de nós, pode ser completa a ponto de termos um direito lógico a uma avaliação total dessa pessoa; toda as avaliações são precipitadas e têm que sê-lo."

Nesse fragmento Nietzsche comenta como é impossível se fazer avaliações de seres humanos e também juízos. A variabilidade e o pouco conhecimento que temos do humano em sua forma ilógica não nos permite que façamos julgamentos baseados em razão alguma. Nietzsche porém não diz que nunca conheceremos o ser humano, contudo um julgamento total é improvável e até impossível. E assim ele finaliza com mais uma inferência:

"De antemão somos seres ilógicos e por isso injustos, e capazes de reconhecer isto: eis uma das maiores e mais insolúveis desarmonias da existência."


34.Para tranquilizar

"É Possível permanecer conscientemente na inverdade? Ou, caso tenhamos de fazê-lo, não seria preferível a morte? Pois já não existe 'dever'; a moral, na medida em que era 'dever', foi destruída por nossa maneira de ver, exatamente como a religião."

"Um homem do qual caíram os costumeiros grilhões da vida, a tal ponto que ele só continua a viver para conhecer sempre mais, deve poder renunciar sem inveja e desgosto, a muita coisa, a quase tudo o que tem valor para os outros homens; deve-lhe bastar, como a condição mais desejável, pairar livre e destemido sobre os homens, costumes, leis e avaliações tradicionais das coisas."

Nesse ultimo aforismo do capítulo, Nietzsche faz contemplações sobre a possibilidade do homem confrontar e permanecer em inverdades e disserta detalhadamente como seria o homem que viveria apenas pela transcendência e erudição, homem este que estaria disposto e faria sem questionar abrir-se mão de tudo que os homens comuns almejam para vivenciar a experiência do conhecimento interminável. Ele tranquiliza o leitos quanto ao surgimento dos espíritos livres e diz finalizando que eles já estão entre nós e que suas transcendências serão os homens de ação.

~Dave Bastos



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